Povo Soberano? Quem teria sido o gênio que inventou esta expressão sem par? Enquanto a fantasia dos ideólogos não descobriu a soberania do povo, o povo era feliz. Trabalhava nos campos, nas oficinas e nos seus ofícios, não ouvia as mentiras de um povo soberano: era um povo poético; escrevia crônicas; descobria novas terras, novos mundos, novos mares, novas teses; erguia as pirâmides do Egito; criava a arquitetura grega; atingiu os altos picos da civilização. Essa maravilha das maravilhas que é Europa da Idade-Média, o Velho Mundo, quando a Cruz e a Espada aliadas e irmanadas sob o símbolo máximo da Ordem Máxima, foi obra do Povo, — mas não do Povo Soberano. Que povo soberano? Não existe povo soberano! Se fosse soberano, seria o fim da soberania política e do político medíocre.
Mas um dia, começaram a dizer ao Povo que ele era soberano. E quando o Povo, convencido da sua soberania, na ilusão de que lhe era possível efetivá-la, a reclamou, e o Poder constituído e legítimo se viu obrigado a reconhecê-la, — o Povo talhou por suas próprias mãos, a mais pesada, a mais execranda das tiranias.
Nunca o Povo foi tão escravo como no dia em que começou a ser soberano! E quanto mais soberano se julga, tanto mais escravo na realidade, ele é. Afinal, o que é a soberania do Povo? Nada mais é que a tirania irresponsável e anônima. É a tirania de uns dois ou três grandes partidos políticos. É a tirania das manobras dos clubes e dos grupos e dos cargos. É a tirania do acaso eleitoral. É a tirania do voto conquistado ou pela compra, ou pela vigarice, ou pela ameaça, ou pelo interesse mesquinho de uma elite política dominante. É a tirania do Número contra a Razão. É a tirania do Número contra a Inteligência. É a tirania do Número contra o Saber. É a tirania do Número contra a Bondade. É a verdadeira tirania da Força contra o Direito, onde tudo pode e tudo vale.
A soberania do Povo é a negação do próprio Povo, porque é a sua sujeição a mais covarde das tiranias: a do Número irresponsável e anônimo. Basta ver hoje nos telejornais, revistas e jornais do país, o resultado da soberania popular. Mentiras, roubos, desvio de condutas, corrupção política, compra do número e do voto, etc. Aliás, nada mais anônimo do que o voto eletrônico. Ninguém tem certeza em quem votou! As pesquisas anunciam os resultados das urnas, como foi na "Proconsult"; como foi no "Painel do Senado"; como é no Brasil.
Quem governa, no Povo soberano? O voto!. Quem decide sobre a Guerra e sobre a Paz? O voto!. Quem resolve os problemas da Educação, da Higiene, da Defesa Nacional, do Fomento, da Ordem, da Moral? O voto!. Quem julga o Passado do Povo? O voto!. Quem prepara o Futuro do Povo? O voto!. Quem aumenta o impostos? O Voto!. Quem fecha empresas? O voto! Mas quem é o voto? O voto é a mistificação legal. Quem governa, no Povo soberano, é a mistificação.
Aqui, em nossa República Riograndense, onde o povo é soberaníssimo, existem convenções eleitorais em que votam os eleitores filiados, embora não tendo comparecido. Em Paris, por exemplo, em algumas eleições constatou-se que grande número de eleitores não residiam sequer, nas moradas indicadas, e ninguém sabia deles. Paris também terá sido escola? O resultado foi como se toda a gente os conhecesse na intimidade. E perante o resultado das eleições, se lia na mais ponderada e ortodoxa imprensa democrata, que o Povo soberano não queria o que os vitoriosos estão fazendo! Se a maioria, se o voto, se o número pertence à maioria da fauna demagoga — que têm os democratas que discutir, que observar, que contrapor? Nada!. O Voto, o Número, a Maioria, numa palavra, a Democracia decidiu. Logo, aos vencidos cumpre obedecer.
Mistificação? Sim, uma burla, um engano, para nós, a quem nada repugna tanto, como ver o nosso pensamento dominado, como ver a nossa cultura vencida, como ver a nossa competência inutilizada por apenas dois, dez, cem, mil votos. Mas para os democratas, para os partidários do sufrágio do voto nos moldes atuais, do "Número", para os democratas — não. Esses devem sujeitar-se, submeter-se às conclusões lógicas dos seus princípios. Ou o voto só é bom, quando é a meu favor? O voto só é livre, quando vota em mim? O Número só é legítimo, quando está comigo? Não há mais movimento social reacionário. Faleceu a identidade do voto consciente, com poucas exceções.
O Povo soberano! O que fizeram do Povo, quando o proclamaram Soberano? O que era uma força útil foi transformado em degrau para os aventureiros, para todos os traficantes, para todos os comediantes sem escrúpulos e sem vergonha. Novamente a camarilha de cima, sufoca o povo soberano de baixo. Alguém teria coragem e ousadia em dizer se podemos mudar esta realidade com o voto?
domingo, 14 de outubro de 2007
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