CORDILHEIRA DOS ANDES

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Complexo Hoteleiro localizado na Cordilheira dos Andes, na estação Valle Nevado em Santiago do Chile - Foto 03.05.2012

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O Calote dos Precatórios

Por Carlos Otávio Schneider – Consultor Tributário
Artigo Publicado em Sites e Jornais do Rio Grande do Sul

Finalmente novos horizontes promissores nascem para aqueles que, durante longos e incansáveis anos travaram batalha judicial contra os Estados, Municípios, Distrito Federal e União, na busca de um direito ao final declarado pelo judiciário brasileiro, da pretensão resistida pelo Estado, em ação judicial.
O “calote dos precatórios” devidos pelos entes públicos no Brasil se tornou um problema crônico, vergonhoso, tanto para a sociedade incrédula, quanto para o próprio judiciário, que não vê cumprimento à coisa julgada.
As recentes decisões do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Estaduais, trouxeram uma nova perspectiva para aqueles que imaginavam levar seus títulos de crédito ditos "podres" para o túmulo. Embora o credor originário possa estar recebendo valores menores aos pretendidos, na grande maioria das vezes, negociados através de seus advogados, no todo ou em parte, há de se imaginar duas situações: de um lado, a possibilidade do autor da ação que deu origem ao precatório, nada receber e perecer com os papéis sob o travesseiro; de outro, buscar a negociação do mesmo título de crédito com quem tenha deveres ou obrigações com o ente devedor dos precatórios, e que possa se ressarcir dos valores via compensação de tributos.
O Supremo Tribunal Federal analisou, em sede de Agravo Regimental na Suspensão de Segurança nº 2.589-9 do Estado de Minas Gerais, na Sessão do Pleno em 09 de Agosto de 2006, a possibilidade de um contribuinte mineiro, utilizar-se do precatório estadual pendente para pagamento de ICMS. No recurso de Agravo foi analisado o dispositivo constitucional constante no Artigo 78 "Caput" e parágrafo 2º dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórios, inserido pela Emenda Constitucional 30 de 2000 no sentido de buscar o reconhecimento da utilização dos créditos oriundos dos precatórios estaduais vencidos e impagos para pagamento de tributos à entidade devedora do crédito judicial declarado. Nesse sentido, aquela Corte deu provimento unânime ao pleito do contribuinte reconhecendo o direito de utilizar-se do precatório estadual vencido para pagamento de ICMS.
O Poder Judiciário do Rio Grande do Sul vem se pronunciando na mesma seara, entendendo que os precatórios estaduais, vencidos e não pagos até a data do vencimento do exercício financeiro, tem poder liberatório para "pagamento" de tributos do contribuinte, contra a Fazenda Pública, no caso ICMS, IPVA, etc.
No Recurso nº 70020933727 de 12 de Setembro de 2007, os Desembargadores da 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, deram provimento por maioria ao Mandado de Segurança no sentido de conceder o "mandamus" a um contribuinte da cidade de Caxias do Sul para utilizar o crédito oriundo de precatório, adquirido de terceiro por cessão de instrumento público, para pagamento do ICMS nos termos do Artigo 78 "Caput" , Parágrafo 2º doas Atos de Disposições Constitucionais Transitórias, impresso pela EC-30/2000.
O Estado reagiu, argüindo a inexistência de lei infraconstitucional autorizativa do procedimento da compensação. Alegou ofensa à ordem cronológica do pagamento dos precatórios nos termos do Artigo 100 da Constituição Federal. Argüiu também, ofensa à impenhorabilidade dos bens públicos em razão do princípio da Lei de Responsabilidade Fiscal entre outros.
A alegação de ausência de legislação infraconstitucional é muito cômoda, e ao mesmo tempo, trágica, pois diante do sério problema advindo do inadimplemento do ente estatal dos créditos oriundos de precatórios, também não se digna e aceitá-los na forma de compensação, "pagamento" de quem é devedor de impostos.
Quanto à argumentação da falta de lei infraconstitucional autorizativa da compensação de débitos do contribuinte, devidos à Fazenda Pública, com crédito oriundo de precatório, data vênia, não é de prosperar, isso porque a Lei nº 8.820 de 1989 estabelece no artigo 27 a expressa autorização da compensação desde que autorizado pelo Poder Executivo.
Por outro lado também está contemplado no Regulamento do Imposto Sobre Circulação de Serviços e Mercadorias – ICMS – no Art. 60, Inciso III e Notas 01 e 02, da Seção VII, do Capítulo II, do Livro I, Título I estabelece que:

"Art. 60 – Poderá ser compensado pelo contribuinte:
(................................................................................)
I – (....)
II – (...)
III- crédito tributário lançado ou não, inclusive acréscimos
legais, com créditos vencidos, líquidos e certos, contra a Fazenda Pública, condicionada a compensação à celebração de Termo de Acordo com o Estado do Rio Grande do Sul que contemple plano de expansão ou de investimento;
Nota 01 – A compensação referida neste inciso é restrito a empresas concessionárias de serviço público;
Nota 02 – O Termo de Acordo deverá definir os critérios passíveis de compensação, sua natureza e os valores máximos que poderão ser compensados."
Como se percebe, tanto o comando da lei supra citada, quanto o regulamento do ICMS, autorizam a compensação dos débitos do sujeito passivo da obrigação tributária, com créditos seus, líquidos e certos, contra a Fazenda Pública, credora do imposto. Significa um modo de extinção das obrigações através do encontro de contas nos exatos termos do Artigo 368 do Código Civil Brasileiro de 2002 que estabelece:

“Art. 368 -Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até se compensarem".

Em análise a parte, não nos parece razoável, que lei autorize ou delegue ao Poder Executivo inovar a ordem jurídica, criando, modificando ou extinguindo o direito. Aliás em nenhum momento deveria a ordem jurídica pátria delegar poderes ao agente público político ou administrativo, no caso ao Poder Executivo, para modificar, criar ou extinguir direitos, exceto em casos especialíssimos contemplados pela Carta Política Brasileira. Seria retroceder ao tempo da ditadura, arrasando o Estado Democrático de Direito, tornando o parlamento peça meramente decorativa. Cabe, portanto, ao legislador a análise na reformulação de tais dispositivos assumindo seu primado em dizer a inovação da ordem jurídica através da casa legislativa. Com esta atitude, o legislador realmente andou tropeçando, pois não há como estabelecer por delegação legislativa a inovação do direito pelo executivo, senão no estrito cumprimento das formas constitucionais.
Retomando o assunto em tela, há que se imprimir, que o comando normativo que vincula o dispositivo constitucional a liberação do precatório vencido ou, das parcelas vencidas e não pagas, à liquidação de tributos devidos ao Estado pelo sujeito passivo, não utiliza o verbo "compensar" e sim "pagamento", nos termos do § 2º do Artigo 78 dos ADCT, com a seguinte redação:

"Art 78 - (...)
"§ 1º (...)
§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidadas até o final do exercício a que se referem, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora." (grifo é meu).

Portanto, o precatório orçado, vencido e não pago na data estipulada, passa a ter poder liberatório para PAGAMENTO de tributos da entidade devedora. Não vislumbro adequada a aplicação do termo "compensação" pelo mero sentido formal de emprestar relevo à terminologia, mas sim dar destaque ao "pagamento". Ao Estado só resta duas alternativas: a1) paga sua obrigação ou; a2) aceita o precatório vencido e não pago na forma de liquidação de tributos devidos pelo sujeito passivo da obrigação tributária e detentor do direito do crédito.
Resta salientar que o Estado não vem honrando seus compromissos há muitos anos, sobretudo as decisões judiciais transitadas em julgado. Pior: joga o credor do precatório contra o próprio Poder Judiciário. Grande parte da sociedade gaúcha e até mesmo brasileira, desinformada por certo, atribui ao Judiciário a culpa ou responsabilidade pelo não cumprimento do pagamento dos precatórios, quando esta responsabilidade depende exclusivamente da dotação orçamentária.
Nessa seara, o Mandado de Segurança apresenta-se como instrumento de fundamental importância na busca da ordem "mandamental" junto ao Poder Judiciário, como forma de legitimar o procedimento da compensação e fazer valer o cumprimento da coisa julgada. Assim, a utilização dos precatórios pendentes de pagamento, devidos pelo Estado, na forma de liquidar tributos devidos pelo sujeito passivo da obrigação tributária, é fulminar com o “calote”. E, dizemos isso porque o encontro de débitos com créditos entre duas ou mais pessoas se opera de pleno direito, mesmo com a recusa de uma das partes. Assim estará se efetivando o cumprimento da coisa julgada, garantia e cláusula pétrea da Constitucional Federal, insculpida no art. 5º, XXXVI.

Fontes:
Site: www.stf.gov.br
Site: www.tj.rs.gov.br

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